segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Para sempre é sempre por um triz..

"Eu não estou me reconhecendo, mas estou me observando. Não estou alegre como de costume, mas também não estou triste. Contemplar o coração também é uma estrada que deve dar em algum lugar melhor."

(Denise Portes)
 
 
"Era eu entre aspas. Sugada pelo susto para dentro do mudo retrato...Recolhendo despedidas com os dedos.Eram os minutos desmaiando sua lâmina afiada pelos meus pensamentos plantados em algum lugar no chão, fatiando a memória como se eu tropeçasse no pretérito de minhas anêmicas lembranças.Era eu flutuando no ar feito partículas dissipadas sobre o instante...Era meu coração recortado... Como se fosse apenas uma silhueta vazada por onde o vento cortava caminho. Era eu página virada. E os pingos de chuva franzindo a imagem pintada nas poças dos meus olhos. Era eu chutando sonhos esfumaçados que brotavam do asfalto quente...Por dentro, o eco. O retumbar fugidio de quem viveu de palavras e as recebeu nunca, que perdeu o paradeiro de uma caneta seca de nada sentir e sentia enfim... Era a alegria tumultuada de quem sorri como uma borboleta que se entrega sem resistência ao abraço do vento, salva da neutralidade ou de qualquer sentimento rasurado. Eram as palavras escapulindo afoitas do meu peito. Logo eu, a mulher mais fraca que já conheci, que espiava fantasmas escondida por dentro dos olhos, agora arrancando letras soltas do meu piano de contar. Era eu, aureolada pelo verbo que dependurava em linhas eternas as sensações de apenas um segundo. A visão, este conto contado pelos olhos. Foi demais para mim. Pois há esta desmesurável chance em minha escrita. Esta contradição que rompe com flores o véu do silêncio. Era eu sem mais temer a descontinuidade das coisas. A cada palavra que se completava no papel, um pedaço que faltava, colava-se novamente ao coração." 
                                       

Ziris-Blog: Um Toque de Vida
 
 

domingo, 11 de setembro de 2011

Que essa minha vontade de ir embora se transforme na calma e na paz que eu mereço.”


O correr da vida embrulha tudo, a vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta.O que ela quer da gente é coragem.
Guimarães Rosa

Tem paciência com tudo não resolvido em teu coração e tenta amar as perguntas em ti, como se fossem quartos trancados ou livros escritos em idioma estrangeiro. não pesquises em busca de respostas que não te podem ser dadas, porque tu não as podes viver, e trata-se de viver tudo. vive as grandes perguntas agora. talvez, num dia longínquo, sem o perceberes, te familiarizes com a resposta."
Rainer Maria Rilke

domingo, 4 de setembro de 2011

Mas as coisas findas, muito mais que lindas, essas ficarão..


Nós nos apertamos muito, às vezes durante longos trechos do caminho, às vezes durante o caminho todo, porque queremos ser amados. Esticamos a corda, fazemos escolhas equivocadas, abrimos brecha para as doenças, mentimos para nós mesmos, criamos as mais estranhas confusões, porque queremos ser amados. Machucamos, machucando-nos. Passamos ao largo dos sentimentos mais viçosos, das verdades mais intensas, das belezas mais risonhas, porque queremos ser amados. Erguemos muros altíssimos, quando tudo o que queremos é contato com a alma. Amordaçamos as nossas sementes, engaiolamos os nossos pássaros, tentamos conter os nossos rios, porque queremos ser amados.

Porque queremos ser amados, por mais estranho que pareça, às vezes fechamos o coração ou abrimos só um pedacinho dele e, ainda assim, lá na porta dos fundos. Sustentamos enganos, vestimos roupas que não nos servem, fazemos pactos com a escassez, ignoramos prazeres, aguentamos privações, porque queremos ser amados. Fazemos contas, medimos palavras, contabilizamos gestos alheios, porque queremos ser amados. Mantemos a ilusão de que alguém ou alguma coisa trará, enfim, a chave que abre o nosso cárcere, e, enquanto o tal carcereiro não aparece, morremos por falta de alegria, um pouquinho a cada instante, porque queremos ser amados. Apagamos sóis, em vez de acendê-los. Soterramos sonhos, em vez de cultivá-los. Desenhamos uma história que nada tem a ver com a gente. Deixamos crescer a erva daninha até o ponto em que ela oculta as flores mais lindas e mais nossas, porque queremos ser amados.

Até que num momento de abertura, depois de muito cansaço, depois de muito doer, depois de muita neblina, depois de muita busca, sobretudo, a gente descobre, contente que nem criança diante de novidade, onde o amor estava o tempo todo. Onde estava a chave. Onde estava o alimento. Começamos a dedicar carinho e delicadeza a nós mesmos, aqueles que pensávamos que podiam vir somente dos outros. Começamos a ser também a mãe e o pai de nós mesmos, e também os filhos, os enamorados, os amigos, os benfazejos. Descobrimos que o interruptor que faz a vida acender esteve o tempo inteiro no nosso próprio coração. Esteve o tempo inteiro ao nosso alcance, muitíssimo mais do que para qualquer outra pessoa do planeta. Descobrimos que a capacidade de sentir amor é nossa. Nada, ninguém, poderá roubá-la, influenciá-la, desdizê-la ou responsabilizar-se por ela. O que nos cabe é cultivá-la. O que nos cabe é aprimorá-la.

Começamos a caminhar a partir da fonte inesgotável de amor que já nos habita. Que é a nossa essência. Que independe de outros, que são preciosos, sim, e muito, mas para enriquecer a nossa passagem pelo mundo. Para trocarmos aprendizado e entusiasmo. Para brincarmos juntos. Para partilharmos afeto. Para partilharmos também as dores que, invariavelmente, nos visitam. Começamos a caminhar, enfim, a partir do amor que é essa matéria-prima disponível em nós, que permeia tudo o que podemos criar, agora, com a nossa existência. Começamos a querer somar com a nossa contribuição, seja lá qual for, porque quando a gente começa a se amar começa também a sentir que dar é o primeiro jeito de recebimento. A vontade de fazer o amor circular é tão genuína, é tão natural, que a gente quer molhar a vida inteira nesse oceano amoroso, sabedores de que somos parte dele.

Continuamos a querer ser amados, é claro. Amados com o charme que flui. Com o olhar que abençoa. Com a atenção que enleva. Com a intimidade que ri. Mas o amor que vem dos outros não é mais salvação, a única chance de felicidade, o tapa-buracos, o paliativo para a carência que o afastamento de nós mesmos nos provoca. Não é mais remédio, fórmula, chá milagroso ou coisa que o valha; não é mais parâmetro medidor do nosso valor. É uma dádiva. É mais um espelho que reflete a nossa própria capacidade de viver um amor que inclui. Um amor que canta. Um amor que é gentil. Um amor que é paciente. Um amor que sabe perdoar quando é preciso. Um amor que cuida, porque o cuidado é da natureza dele. Um amor que é grande e que abraça com calor e sem pressa. Um amor que, generoso, nos respeita e nos acolhe, com tranquilidade, do jeitinho que a gente é. Um amor que acredita na gente com fé. Com frescor. Com alegria. Às vezes, circunstancialmente, com um bocado de desafio também. Mas, principalmente, um amor que não sabe o que é esforço.

Amor cria espaço e beleza, é só a gente olhar para o universo. Quem entende bem dessa história de aperto é o medo, esse nosso carcereiro sabotador. 
Ana Jácomo

A palavra me olha nos olhos e me diz calma, fugidia e imensa: há muita poesia guardada na paciência. Espero.


Quando não se tem muletas: vá mancando
Quando se perde um dente: procure um sorriso
Quando não se tem a quem abraçar: abra os braços pro vento
Quando percebe-se que as pernas estão maiores do que as asas: corra, para comprar um sorvete
Quando existe mais dele em você do que você mesma: comece a cuidar de um animal, você se tornará a pessoa mais importante na vida de outro
Quando não se colhe flor na primavera: carregue mais folhas no outono
Quando se está sempre sozinha: comece a gostar do que ainda não veio
Aprender dói mas vale a pena. Importante é continuar
Agora pra terminar ouça: comece a achar que as coisas têm jeito
Acreditar em esperança é abrir uma janela bem no meio do seu desespero...

...Sinto que,
 ao cruzar a cancela,
não estarei entrando em nenhum lugar,
 mas saindo de todos os outros...

(Chico Buarque)